O pleito de 2010 entrará para a história. Primeiro, por ser o primeiro desde 1989 em que Lula não é candidato a presidência. Segundo, por que as duas candidatas mulheres tiveram a maioria dos votos - sinalizando que o Brasil está sim preparado para ser administrado por elas. Terceiro, pela baixaria que a campanha tucana se prestou a fazer ao longo de todo esse tempo. E, entre essa baixaria, resolveram misturar religião e falastrões da fé.
O Brasil, em sua constituição, é um Estado Laico - ou seja, sem religião oficial - para garantir a liberdade e diversidade religiosa que fazem parte da cultura brasileira. Desse modo, não há nenhum sentido que uma campanha eleitoral se preste a usar temas religiosos de modo a confundir os eleitores e criar um clima de total desconversa sobre os reais problemas do Brasil. Um clima, por sinal, que tem sido reforçado neste segundo turno pelo candidato Zé.
Bom, vamos esclarecer os pontos: o papel de um presidente em um regime de governo presidencialista é o de ser o chefe de estado e o chefe de governo. Assim, o presidente está apto tanto a formar alianças, indicar os ministros tanto quanto representar seu estado perante outros. Cabe ao presidente ser o chefe, o que tem de supervisionar o trabalho das outras esferas do poder. Nesse sentido, então, não é uma atribuição do presidente legislar sobre temas relacionados a aborto ou união civil homossexual.
Esses temas são - e devem ser - discutidos e debatidos no Senado, no Congresso Nacional onde, de fato, as leis são criadas e revistas. Se estivéssemos em uma campanha que visasse definir o presidente do senado ou do congresso, certamente estes dois temas teriam pesos. Mas eles não deveriam estar na discussão do chefe da nação, cuja obrigação é a promover as políticas que melhorem e incentivem a vida de seus cidadãos.
Ao chefe da nação as discussões que cabem são os temas relacionado as políticas públicas para educação, saúde, economia, emprego, moradia, etc. Projetos que, de fato, sirvam à e para a nação.
No entanto, não é o que vemos nesta campanha eleitoral onde dois modelos tem sido colocados lado a lado e um dos lados prefere não discutir ou ocultar os fatos num claro consentimento da imprensa que pouco ou nada faz para denunciar tais atitudes. Nesse sentido, um dos lados desta disputa tem feito discursos e promessas hipócritas e sem nenhum sentido - e, principalmente, sem nenhum plano, projeto, programa ou proposta de governo para apresentar aos cidadãos.
Sim, eu falo especificamente do Zé. O candidato vem, desde o começo da campanha eleitoral, apresentando um discurso totalmente baseado no desencontro de informações em uma clara tentativa de descontruir a candidata Dilma apoiando-se no medo, no ódio e no terror conclamado ao projeto desenvolvido pelo Presidente Lula.
Com essa visão - e a parcialidade da imprensa - o candidato Zé simplesmente faz discursos comparáveis à ditadura militar - e, principalmente, aliando-se a setores ultra-conservadores que nada tem a oferecer ao país senão o ódio.
Na falta de projetos, o candidato Zé resvalou-se para o discurso religioso conclamando o medo nos eleitores. Daí, começou-se a apelar para temas como o aborto e sua descriminalização (que, no primeiro turno foi a única bandeira mais forte do candidato que, agora, já se mostra fraca) e, mais recentemente, a causa gay e a união civil homossexual.
Agora vamos aos dois pontos em separado.
Já disse lá em cima que o aborto não é de competência do presidente legislar. Mas, como ele tornou-se o centro da discussão, que seja, então, dita a verdade. A legislação brasileira já prevê o aborto em casos de estupro ou quando o feto oferece riscos de saúde para a mãe. Em 1998, o então ministro da saúde, José Serra, assinou a Norma Técnica que traz para o Sistema Único de Saúde a prática abortiva nos casos previstos em lei. Ao longo da campanha, no entanto, o candidato Zé simplesmente esqueceu deste passado recente e passou a confundir as pessoas. E negar que o problema não aconteça fora dos casos previstos em lei. Se uma mulher que, em meio a uma circustância de sua vida se vê obrigada a abortar e for pela via legal, jamais conseguirá. Recorre-se, então, a chás abortivos, clínicas clandestinas, agulhas de tricô e outras práticas que levam uma mulher a morrer se não procurar ajuda. Hoje, se uma mulher que tenha feito tais práticas procurar ajuda, ela é considerada criminosa e vai presa. Com sorte, não morre. Mas, infelizmente, milhares de mulheres hoje morrem por práticas abortivas por falta de tratamento e medo de serem presas. Nenhuma instituição de saúde pública deveria negar-se a atender as mulheres nestas condições. Infelizmente, não é o que acontece.
O candidato Zé, então, fecha os olhos e nega que isto aconteça e conclama os setores mais conservadores que também se negam a ver que muitas mulheres morrem nestas condições. A obrigação do Estado de direito e laico é de, no mínimo, promover o mínimo de atendimento a estas pessoas. Na prática, porém, o assunto está no entrave. O Plano Nacional de Direitos Humanos III, que é o objeto de discussão de grupos religiosos, prevê o aborto como um caso de saúde pública e não criminal. Isto, no entanto, não dá nenhuma liberdade para que mulheres saudáveis pratiquem o aborto. E nem é isso que se discute.
O debate está no tratamento a que as mulheres tem direito. E isto, o Estado de Direito Laico não pode negar-se.
Os falastrões da Fé - principalmente representados nas figuras do sr. Silas Malafaia, passam informações erradas para o público. Levando-os a pensar coisas que o projeto não prevê. E isso é independente de partido político.
O Plano Nacional de Direitos Humanos nem é uma lei. É um roteiro em que as ações do ESTADO DE DIREITO tem de seguir para PROMOVER a cidadania.
Existem sim várias outras alternativas ao aborto e que, por sinal, o candidato Zé não fala. Simplesmente por que, entre outros motivos, ele não tem nenhum projeto de inclusão social que promova a cidadania das mulheres das classes mais pobres. E isso é o projeto que Lula vem desenvolvendo em sua promoção social que tirou 34 milhões de brasileiros da miséria. E lhes deu dignidade. Inclusive, para evitar uma prática abortiva em mulheres.
Dito isso, é conveniente dizer que a esposa do candidato Zé, d. Monica Serra, teria relatado as suas ex-alunas da Unicamp que realizou um aborto nos anos sessenta, justamente na época mais difícil da ditadura militar. O relato veio à tona logo após ao debate realizado pela Rede Bandeirantes na semana passada. Nem o candidato Zé e nem sua esposa responderam. Ou se pronunciaram a respeito.
Com base nestas informações, é totalmente injustificável todo o oba-oba que o mesmo candidato vem disparando em seus programas eleitorais cheios de demagogia, cinismo e hipocrisia sobre o tema. Se sua própria esposa teria realizado um aborto, por que então trazer isso ao pleito eleitoral?
Os falastrões da fé apropriaram-se do discurso hipócrita do candidato Zé e passaram a assinar em baixo tamanha hipocrisia.
Para isso, nós apenas lamentamos, por que as coisas não são e nem passam perto do que eles dizem.
Esclarecido o tema do aborto, vamos para outro tema que está sendo inflamado. Este, no entanto, trarei em outro post para dar um tempo a você, leitor, conseguir digerir todas estas informações acima.